sexta-feira, 25 de abril de 2008

Papo Funesto de Fim de Tarde.

- Sabe, Ana, eu não tenho medo da morte.
- E porque haveria de ter? Você é tão cheio de si, tão aventureiro.
- Não é isso, Ana. É que eu não me imagino sentindo dor ao morrer. Eu acho que a dor, a dor verdadeira que se sente, é só para aqueles que ficam, só para aqueles que continuam na vida e sentem saudade. Eu teria saudade de você, Ana, se não estivesse morto. Estando morto eu não sentiria nada.
- Eu não queria que você morresse. Você me faria falta.
- Por que te faria falta?
- Ah! Sei lá. Você cuida tão bem da casa, lava minhas roupas, minhas calcinhas.
- Ha! Engraçada!
- Você sabe que não. Eu sentiria falta do seu corpo, das suas conversas bestas. Desse seu olho profundo que insiste em ficar me olhando. Do sorriso que tu me dá quando eu sorrio de volta e dos abraços. Dessas palavras bonitas que tu me diz, insistindo que meus olhos são teus, que minha boca também e que meu nariz é bonito.
- Ah! Mas seu nariz é bonito.
- Puf! Lá vem tu de novo com essa história.
- Eu gosto de você do jeito que você é, Ana.
- Não precisa me deixar com vergonha, né?
- Mas está vendo você: se eu morresse, a quantidade de coisas que você sentiria falta. Agora me diga: quem morre está sentindo alguma coisa? Quem morre está na pior? Claro que não. Não há sentimentos quando a gente morre, Ana. A não ser antes da morte, mas antes da morte ainda é vida. Nós morremos como se morre uma barata, uma muriçoca. E aí depois é o nada, assim como era o nada pra gente, antes de a gente nascer. Você me entende?
- Você também está sendo radical.
- Por que?
- E as almas? E aquela galera que ama tanto, e de verdade, que volta pra dormir com a pessoa amada, que fica puxando o pé do outro a noite para chamar a atenção?
- Isso aí é outra história, Ana. E esse negócio de puxar o pé não tem nada a ver com pessoa amada. Isso é lenda de interior.
- Eu acredito em lenda do interior.
- Continue acreditando.
- Você é cabeça dura, Carlos. Mas eu gosto de você mesmo assim.
- Sabe, Ana, eu queria poder ver o fim do mundo, o apocalipse. Eu gosto dessas coisas. Imgina? Os prédios caindo, bolas de fogo no céu, as pessoas correndo. Eu não teria medo de morrer, sabe? Eu teria medo somente de morrer logo e não poder ficar mais um tempo pra ver, de fato, o fim do mundo. Aí seria chato. Poxa, se eu tô no fim do mundo, eu quero ver o mundo acabar, até o final.
- Eu hein!
- Não, veja só! Eu acho até que penso de uma maneira bem humanitária em relação a isso. Eu sempre fui assim. Sabe quando você se dá mal em uma prova do colégio e deseja, no fundo, que todo mundo se dê mal também pra você ficar na média?
- Sei.
- Pronto, é mais ou menos assim. Se ocorresse o fim do mundo, e eu pudesse ver, eu ficaria feliz, porque estaria todo mundo morrendo também, e eu indo junto, todos juntos. Seria muito bonito. Era o que me reconfortaria. O fim do mundo não é feio, Ana, porque se morrer todo mundo, ninguém vai sofrer de saudade, ninguém vai sofrer de lembrança, e o homem se acaba de vez.
- Que papo estranho, Carlos. De onde tu tirou isso?
- Ah! Eu pensei agora. Mas assim, eu não queria estar sozinho no fim do mundo. Eu morreria muito melhor se você estivesse contigo, correndo das bolas de fogo, mergulhando em lagos ferventes, se esquivando dos prédios que caem e dos tremores que racham a terra.
- Nossa!
- Eu estaria muito melhor com você, Ana. E te amaria profundamente antes do fim do mundo, só pra não sentir saudade, caso a alma depois nos pertube. Eu te amaria sozinho, e você também. E eu iria sentir, que mesmo com o mundo acabando, eu teria o mundo pra mim com você ao meu lado.
- Poxa! Que bonitinho!
- Gostou? Eu inventei agora.

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