sábado, 13 de junho de 2009

Um Vazamento.

Goteja,
como tortura
o ar tão preso
sustenta o peso
da clausura.

Goteja,
como água suja
idílio de desgosto,
demasiado tarde
a navegar na lama.

Que seja!
Infame como o futuro
suspiro o ar tão fraco
alarde o vento parco
imperial, impuro.

Goteja,
a quem deseja gotejar
o arrulhar dos pombos,
tua face assim, doente
o olhar frio que lamenta.

Goteja,
como ciúme
o mar desfaz então
a onda desponta,
alinha o barco no infinito.

Que seja!
No mar aflito
as mágoas não têm altura,
sustentam o peso da clausura
no ritual mítico da praia.

Goteja,
gorjetas,
pra eu enriquecer,
as gotas me esgotam,
a gorjetear.

Para que?
Para que, então, gotejar?
E no fim não ser,
Dia a dia,
gota a gota?

terça-feira, 9 de junho de 2009

Poesia Urbana III (Ao Soar o Dia).

Conduta
maldita
de quem
anda
se mal findou
a meia-noite,
se ainda
falta o ar
à madrugada
pra expulsar
do horizonte
o teimoso sol
e aquele
sono poente.

Atrás de um
vão dois
e três
e mais
a andar
às quatro
antes mesmo
das cinco
a circular
no calçadão
ainda frio
de uma frívola
noite vagabunda,
sombras fortuitas
ao mar
no marulhar
de ondas,
na neblina
de sol
nascente,
película
insegura
sobre a onda
que segura
esse caminhar.

Os passos
a perdoar
o dia anterior
as penas,
a pedir futuro,
pensando
a cada passada
como cada onda
reflete
o percurso,
a caminhada
matinal dos dias
a matar o ócio,
mortificar
os ossos
na acidez
da maré
que bate
aos pés.

Perdulárias
pontes
a separar
os restos
do café-da-manhã
e o resto
do mundo,
pendurado
à sede
da rotina,
tardia,
tacanha,
sacal,
a saculejar
diários diabos
no sufoco
dos coletivos,
carros fúnebres,
a coletar cada
alma que passa,
passageira,
ao soar o dia,
num suor
que seca
sempre
a seiva
do imaginário
que,
ao menos antes,
pôde comungar
com a praia.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Adocicado.

O tempo me soará
tua sombra me sugará
mas quem vai açucarar
os meus dias?

A Partida.

Ele parecia ter rompido o segredo,
destruiu as tulipas, os pratos, as taças.
Abandonou o segredo junto com a casa.
E parecia ter partido.

Ele parecia revolto
com palavras breves
com gritos fortes,
a madeira absorvia na parede,
os vizinhos resvalavam na porta
esperando ouvir algo.

Ele parecia ter rompido o segredo,
as palavras de amante, o sexo,
a soma de prazeres,
mentiras sujas,
roupas sujas
e parecia partir,
com aqueles olhos na cara,
a selva enigmática de sonhos
de sutilezas e de segredos rompidos.

Não sei se era desgosto,
desfez as mágoas no líquido,
assombrou papéis,
desfigurou a porta,
e transpassou meu peito roto,
rompendo planos, poemas,
me pondo só.

Ele parecia quieto,
em outrora solto,
mas pisava em ovos.
Minha palavra nada valia
para que o prendesse.

Ele parecia haver rompido o segredo,
o segredo do pólen, das frutas,
o segredo do sangue,
do abismo, dos santos,
das putas, do hímen,
da fálacia, do fálico,
da felação impura, ardente.
Aquele segredo de amantes.

Não sei se era o futuro
amedrontando seus olhos,
a casa correta,
a linha correta,
a pureza pútrida
da putaria da vida.
Que raiva eu senti
da normalidade,
que raiva eu nutri
do resto.

Ele parecia haver rompido tudo
e partia.
Partia dos meus olhos,
dos cômodos comprados pra cada
canto do apartamento.
Partia meu rosto,
na ferida de apenas romper
a casa partida.

No assoalho de tacos,
nos tapetes, nos lustres,
nos vitrais do armário,
nas bebidas quentes,
no abajour do quarto,
nos livros da estante,
na mesa de centro
onde jantamos
e nos comemos.
Tudo ali era resto,
ele parecia haver partido.

Ele parecia haver rompido o segredo
o segredo das noites,
o segredo das portas,
o segredo dos pratos,
mas os cacos da louça
nem sequer esperaram o lixo,
pois agora ele voltava,
irrompia na sala
pra me romper mais ainda,
com a delicadeza dos passos,
com a finura da boca,
com aqueles olhos que me diziam
que tudo era mais simples na vida
se o seu lugar fosse ali.