sexta-feira, 25 de abril de 2008

Monólogo na Cozinha.

- Eu acho que amar é o único anseio que nos resta hoje em dia, Ana. Não há mais revolução, ninguém acredita na política, poucos querem mudar o mundo, Ana. Então o que nos resta é amar. Pra quê fazer revolução, Ana, se eu posso ter você todos os dias aqui nesse apartamento. O mundo acaba, Ana, quando nos encerramos aqui, nesse "sala e quarto" pago em aluguéis tão razoáveis. Acabou. Esse papo chato de emprego, de empresas júniors, de investimentos pessoais, de marketing avançado, de crescimento econômico e social, ascensão profissional, gastos mensais... Ninguém quer saber mais disso, Ana. O mundo se encerra quando se ama. Não há adolescente hoje que não queira apenas amar e consumir. E consumir já é um ramo que nasce da árvore que é amar, porque qual o sentindo de consumir que não seja o de aparecer para ter, e ter para atrair? Tudo bem que hoje é melhor se ter do que ser, mas isso é errado, Ana. As pessoas de hoje só querem é amar mesmo, é tudo voltado pro amor, mesmo que equivocadamente, é tudo voltado pra ele. Os deputados desejam despir-se de seus paletós, assim como empresários e funcionários públicos. O estudante quer tirar sua farda, e ficar nu para o mundo. E amar. Eu só vejo isso, Ana. Vivemos uma crise existencial de proporções quilométricas, Ana! Você não percebe? As pessoas não são mais, elas vivem para ser algo, e no fim da vida percebem que não foram nada. No fundo elas queriam amar, Ana. Mais do que amaram, mais do que viveram. Todos querem despir-se, se libertar de vez e andarem livres no meio da rua. Você não percebe? Está todo mundo aflito, e a juventude mais ainda, porque está reprimida em sua plenitude de amar, porque ninguém permite a eles, que passaram a vida escutando, que passaram a vida recebendo exigências de melhoras de vida. Falam que é necessário ser alguém a toda hora, mas não sabem que esse ser alguém é, na verdade, se destruir para não ser nada e ter dinheiro para ganhar o mundo. Mas não se ganha o mundo com dinheiro, Ana. O mundo se ganha com amor, esse amor que é tolhido desde da infância, essa pureza que nos é tirada desde quando pequenos. Eu te amo desde pequeno e o mundo se basta somente quando te tenho. E assim segue com o resto das pessoas. Quem quer crescimento de vida quando se tem a quem se dedicar, quando se tem alguém que lhe admira? O mundo se encerra, Ana. O mundo se explode. É por isso que hoje ninguém quer mais revolução, ninguém quer mais política, estão todos ausentes das questões que as envolvem, porque estão todos sozinhos. A solidão aumentou. E quanto mais ela aumenta, mais se sente a necessidade de amar, Ana. E quando estamos sozinhos, desejamos cada vez mais estar menos sozinhos e andar por aí, pela vida, errando, tentando suprir uma vontade cada vez maior de não estar só, e se ter alguém para conversar num fim de tarde. É isso que as pessoas sentem. É por isso que vivem correndo atrás de objetos fúteis, de saídas furadas e de conversas quaisquer. É por que sentem esse desejo de estar com alguém, de se despir, Ana, e de amar. Tudo se resume a isso.
- Olha! Tua papa tá pronta.
- Poxa, valeu.

Um comentário:

Juliana Barretto disse...

Tão tua cara esse!
:)

Acho que tu não deve parar de escrever nunca!

:**