segunda-feira, 29 de setembro de 2008

No Ar.

Vou lá no infinito,
parto eu pro universo inteiro,
através dessa janela cósmica,
que ilumina o luar de minha cama.

Vou lá no infinito agora,
sem compromisso terreno de voltar.
Avisem se for bonito, meu mito, meu partir,
de ir lá fora navegar e navegar, no ar.

Vou lá fora, através, não há,
na viagem de estrelas,
no mastro do mar,
no astro do barco,
no arco do céu,
no oceano inteiro.
Estou sem pressa de voltar.

Vou lá flutuar, cadente, nessa esfera,
vou explodir como estrela, e iluminar,
vou lá no azul, navegar no mar da vontade,
me desligar desse ar que arde
e rumar pra mais, pra lá, pra onde.

Vou lá navegar e beijar o mar,
como saliva a onda na beira
lamentando o chorar da praia.

Vou lá paquerar com o sol,
e me sentir areia,
viajar com a poeira dos céus,
viver o surgimento de tudo,
e observar de longe a todos
no luar da maré morta,
no solstício do inverno,
no eterno navegar.

Vou lá desprender meus pés
e ascender às estrelas na noite,
nesse azul escuro.
Vou me preservar no futuro
lá no infinito, no ar,
e voltar mais jovem,
pra saber daqui
e de como foi
quando não estive.

Partirei de imediato agora
no cosmos, no karma, no infinito todo,
meu corpo se fez de planeta,
de tudo que fez surgir o universo,
do pó, da terra, de todos os anos.

Vou nessa vontade de fugir,
vou lá navegar nesse mar afora
planar no mar e mergulhar agora,
eu vou fluir como a água,
entre os dedos do tempo.

Parto a viajar então, não outrora senão,
nessa vontade de conhecer o sonho.
Será que no além mar, onde vou lá,
onde os meus pés ponho, será que há?
Vou lá desconhecer,
me conhecer e flutuar, quem sabe,
virar mar de estrelas, e rumar,
virar céu, virar eterno, me eterizar,
e virar tudo no ar.

Vou buscar o mais,
sem mencionar o pós, ou o talvez,
pois não há pressa em regressar.

Posse.

Ainda que estejas solta,
enquanto és mar e tão cheia de sal,
plena neste ar que voas,
onde teu parentesco é o sol.
Ainda que insurjas
e que solva o céu,
ganhe nuvens de chuva
e escuros becos de tempo,
és tão da terra quanto eu,
és minha.

Embora teu olhos,
antes grandes, doces,
focados no absurdo
e nos meus,
ainda que não parem
ainda que entreolhem,
e embora tu flutues,
navegue, divague,
és ainda dessa sonda selvagem
do pensamento meu.

Embora já não tanto,
se aninhem, entretanto,
o teu acalanto só,
ao tempo, ao tudo que és
e a mim, és minha.
Embora tu pertenças
aos poucos, és muito.
E saiba tu de tudo,
dos tolos, dos tontos,
dos deuses, dos revoltos.
Cruzando no mundo és, contanto,
da selva dos olhos,
dos sólidos olhos meus.

Embora os teus braços divaguem
no baile tão simples do adeus
e os olhos, as lágrimas
e as mãos deságuem,
não esqueces, no entanto,
és mãe, és manhã,
és minha.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sobre Nós.

Seja aqui ou em Uganda,
a lua que nos ilumina
crava sua luz diária sobre nós.

Sem saber quem somos,
displicentes, descuidados,
essa lua nos atinge aguda, indiferente.

Não sabe sobre mim, sobre nós,
e finge, ciente da existência na terra,
ser bela, como é, e ensaia sua volta.

Não se importa se está cheia
ou se míngua, enfadada, sua paciência.
Essa luz que nos clareia é igual.

Mas seja aqui ou no Nepal, tenho certeza,
onde quer que essa lua esteja, no céu,
longe da poeira dos astros, permanecerá crescente,

com seu poder sobre as marés, a sós,
nos tornando mais iguais, embasbacados,
crescendo soberana sobre nós.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Janela.

Vejo as luzes da favela
no escuro da janela
são luzes bonitas
são luzes amarelas.

Será que é bonita a favela?
Ou é ilusão da janela?
Um assalto na favela!
Uma morte na janela.

Quem será que matou ela?
Foram assaltantes da favela?
Ou foi ilusão da janela?

*primeira poesia: 29/03/2000

Um Ano.

Hoje Berenice faz um ano. Não nasceu em berço de ouro, nem foi estrela ao longo desse tempo, mas soube me marcar com sua melancolia chorosa, comum, inerente a qualquer pessoa, no entanto. Parece que o sol soube iluminar bem seu início, seu caminho. Hoje Berenice tem três quartos de amor intenso e uma lágrima. Não me interessa quem enxuga seu rosto, me interessa, como pai, aqueles que lhe compreendem.

Hoje, fazendo ela um ano, decidi colocar algo do que escrevi, mas só soube revisitar meu passado. Escolhi, então, minha primeira poesia, na qual não troquei uma vírgula, e que é increlvemente melhor do que muitas poesias que fiz depois. Alguns poemas desse meio percurso, entre o nascimento da minha escrita e o nascimento de Berenice, levam títulos um tanto quanto estranhos (Quando Aquilo; E se, e ela, e não, e ele), que dirá o próprio corpo do texto.

É interessante ver como já previa eu uma Berenice, que só agora, talvez, tenha ido à lua. Ao prever sentimentos futuros, mas de uma escrita ainda muito primária, falei sobre amor sem amar, sobre dor, sem sentir, e não tive medo de rimar palavras confusas ou desconexas. Juntei palavras sem saber o que estava dizendo, como se quisesse treinar, usar das palavras, sem ter motivo para tal. O motivo foi o futuro, desconfio. Foi ver que de algo vazio, pude extrair algo com um pouco mais de sentimento e clareza, posteriormente, às vezes ciente do que estava escrevendo, às vezes não.

No próximo post coloco, então, a primeira poesia que fiz, e que nesse entremeio foi a mais natural de todas, a que soube falar por si só, assim como eu creio que fala a verdadeira poesia.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Última Voz.

Será que minha doce alma vale a pena,
em conta dessa tua alma tão pequena?

Será que transcorre a estes meus passos mais uma novena?
Será que me acalentas
novamente?

Antes não tiveste tu a mim,
nem eu nunca quisesse haver-te querido.

Será que me encontras,
ou teus olhos fazem de conta
que não existo?

Percebes, então, meu perigo,
que apesar de tudo ainda és abrigo.
Tua voz me dá força,
me levanta.

Em meio a tantas outras vozes,
que não sigo,
a tua ecoa distante, solitária,
desperta minha força, me ativa.

Tua voz, em meus ouvidos, é saliva.
Corre doce, astuciosa, excitante.
Mas tua voz no pensamento,
se torna ácida e ausente.

Minhas veias, meus ouvidos, estão quentes,
da voz que me inspirou esse poema,
e de recordar e recordar,
mas se sentir acordado.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

José e Atílio.

Já não se encaram mais,
não pulam alto dos postes,
não se importam com o mundo.
Não soltam balões de hélio e nem perpassam a neblina,
voando a solta nos céus das cidades caretas
e dos pensamentos cinzas.

Passam desapercebidos e voam imóveis
em rios de veneno velho,
sorvem na boca essas gotas de chuva ácida,
na deriva dos instantes,
no fluxo do pensamento,
na maré morta.

Não pulam alto dos postes,
nem gritam sua felicidade sol a pino.
Não se arriscam na beirada do parapeito da vista,
onde a vertigem, homicida,
ilumina o olhar que não nota,
que é alto esse tempo que corta,
e é baixa essa altura da vida.

Enquanto eles falavam eu sonhava,
me drogava inerte,
absorto de palavras prenhes.
Pílulas pretas, pós, fármacos,
tão cheios de vida e apodrecimento.

Mas parece que esquecem,
que sorvem o ar infame,
tecem, fiam, cosem,
maquinalmente sobrevivem, labutam,
mas não merecem esse dia curto,
esse sentimento parco,
essa vida pouca,
tão cheia de esterco e estrume,
de lama, lamento e chorume.

Parece que o tempo, parceiro distante,
perdeu-se a toa nos contratempos
e foi planar longe,
sem direção,
sem rumo,
sem órbita.

Parece que a vida, prurido e pó,
passou perante os olhos perdida,
encurtada em distrações,
despistes e desperdícios.
Novenas, cadeias e quarentenas que de nada valem.

Parece que a areia, tão cheia de pó,
soltou-se sereia, com suas raízes de pedra,
e foi nadar só.
Desse tempo que anda,
de onde vem e vão ondas,
parece que foram juntos, os dois,
velejar sem o vento,
se afogar, sem o mar.

*baseado em trechos do curta "desavenças".

domingo, 7 de setembro de 2008

Dos Meus Olhares.

Por onde quiser, quereres,
onde estiver, e estares,
lá estou eu, e eles,
meus vãos olhos estúpidos e olhares.

Aos teus pés onde estiveres,
quem quer que sejas ou quem serás,
atrás de dez fatais prazeres banais,
a olhar a sós teus sóis a me iluminares.

Nos vãos lugares em que estiverdes,
que seja eu, que serdes mais,
pra que em minhas veias tu fluíres
e em minhas artérias tu caibais.

Dos meus olhares partem rentes,
pérfidas flechas sãs, mortais,
pois nos teus olhos, através, ausentes,
não passam mares, nem ares, jamais.


Não sedes mais na minha sede,
nem estende a flâmula fugaz,
pois em meus olhares quentes também eres
de sós olhos ferventes e canibais.

Traição.

Se cora-me o mundo diante d'eu,
decora a degola do imundo
ante o submundo meu.

Na aurora da rua tornou-me breu,
quiçá vou pro mundo da lua,
ante o submundo meu.

Me trata agora quem sabe teu,
pois cansei de ser lixo do mundo
ante o submundo meu.

Me joga distante no fosso do céu,
fugido habitante desse parco mundo
ante o submundo meu.

Tesoura-me cortante expondo-me esse sangue meu,
denigre, sutura, esse meu corte profundo
ante o submundo meu.

Me diz dessa amante, antes um amor meu,
fornica, fornece, dá ao mundo todo,
ante o desespero meu.