sexta-feira, 25 de abril de 2008

O Corpo ou Algo ao Lado.

Tenho a mão perto dos olhos
tenho a tristeza que acena ao lado
faz um carinho na cabeça
me beija a nuca
e dorme.

Tenho nas mãos o teu poema afiado
tenho o teu choro, no papel, secando
me molha a pele
me traz um sonho
e some.

Tenho no rosto um dos póros sangrando
tenho um olho profundo que por dentro me olha
me esquece sozinho na cama
me diz duas palavras ao ouvido
me consome.

Tem um mar
e no fundo me afogas.
Tem um espaço
entre eu e ela.
Tem minha cabeça
com anseios torpes.
Minha junção da perna com o joelho
meus ombros e costas
a ponta dos dedos dos pés
a mão cansada de escrever
o coração que se cansa
e o pensamento que dói.

Monólogo na Cozinha.

- Eu acho que amar é o único anseio que nos resta hoje em dia, Ana. Não há mais revolução, ninguém acredita na política, poucos querem mudar o mundo, Ana. Então o que nos resta é amar. Pra quê fazer revolução, Ana, se eu posso ter você todos os dias aqui nesse apartamento. O mundo acaba, Ana, quando nos encerramos aqui, nesse "sala e quarto" pago em aluguéis tão razoáveis. Acabou. Esse papo chato de emprego, de empresas júniors, de investimentos pessoais, de marketing avançado, de crescimento econômico e social, ascensão profissional, gastos mensais... Ninguém quer saber mais disso, Ana. O mundo se encerra quando se ama. Não há adolescente hoje que não queira apenas amar e consumir. E consumir já é um ramo que nasce da árvore que é amar, porque qual o sentindo de consumir que não seja o de aparecer para ter, e ter para atrair? Tudo bem que hoje é melhor se ter do que ser, mas isso é errado, Ana. As pessoas de hoje só querem é amar mesmo, é tudo voltado pro amor, mesmo que equivocadamente, é tudo voltado pra ele. Os deputados desejam despir-se de seus paletós, assim como empresários e funcionários públicos. O estudante quer tirar sua farda, e ficar nu para o mundo. E amar. Eu só vejo isso, Ana. Vivemos uma crise existencial de proporções quilométricas, Ana! Você não percebe? As pessoas não são mais, elas vivem para ser algo, e no fim da vida percebem que não foram nada. No fundo elas queriam amar, Ana. Mais do que amaram, mais do que viveram. Todos querem despir-se, se libertar de vez e andarem livres no meio da rua. Você não percebe? Está todo mundo aflito, e a juventude mais ainda, porque está reprimida em sua plenitude de amar, porque ninguém permite a eles, que passaram a vida escutando, que passaram a vida recebendo exigências de melhoras de vida. Falam que é necessário ser alguém a toda hora, mas não sabem que esse ser alguém é, na verdade, se destruir para não ser nada e ter dinheiro para ganhar o mundo. Mas não se ganha o mundo com dinheiro, Ana. O mundo se ganha com amor, esse amor que é tolhido desde da infância, essa pureza que nos é tirada desde quando pequenos. Eu te amo desde pequeno e o mundo se basta somente quando te tenho. E assim segue com o resto das pessoas. Quem quer crescimento de vida quando se tem a quem se dedicar, quando se tem alguém que lhe admira? O mundo se encerra, Ana. O mundo se explode. É por isso que hoje ninguém quer mais revolução, ninguém quer mais política, estão todos ausentes das questões que as envolvem, porque estão todos sozinhos. A solidão aumentou. E quanto mais ela aumenta, mais se sente a necessidade de amar, Ana. E quando estamos sozinhos, desejamos cada vez mais estar menos sozinhos e andar por aí, pela vida, errando, tentando suprir uma vontade cada vez maior de não estar só, e se ter alguém para conversar num fim de tarde. É isso que as pessoas sentem. É por isso que vivem correndo atrás de objetos fúteis, de saídas furadas e de conversas quaisquer. É por que sentem esse desejo de estar com alguém, de se despir, Ana, e de amar. Tudo se resume a isso.
- Olha! Tua papa tá pronta.
- Poxa, valeu.

Papo Funesto de Fim de Tarde.

- Sabe, Ana, eu não tenho medo da morte.
- E porque haveria de ter? Você é tão cheio de si, tão aventureiro.
- Não é isso, Ana. É que eu não me imagino sentindo dor ao morrer. Eu acho que a dor, a dor verdadeira que se sente, é só para aqueles que ficam, só para aqueles que continuam na vida e sentem saudade. Eu teria saudade de você, Ana, se não estivesse morto. Estando morto eu não sentiria nada.
- Eu não queria que você morresse. Você me faria falta.
- Por que te faria falta?
- Ah! Sei lá. Você cuida tão bem da casa, lava minhas roupas, minhas calcinhas.
- Ha! Engraçada!
- Você sabe que não. Eu sentiria falta do seu corpo, das suas conversas bestas. Desse seu olho profundo que insiste em ficar me olhando. Do sorriso que tu me dá quando eu sorrio de volta e dos abraços. Dessas palavras bonitas que tu me diz, insistindo que meus olhos são teus, que minha boca também e que meu nariz é bonito.
- Ah! Mas seu nariz é bonito.
- Puf! Lá vem tu de novo com essa história.
- Eu gosto de você do jeito que você é, Ana.
- Não precisa me deixar com vergonha, né?
- Mas está vendo você: se eu morresse, a quantidade de coisas que você sentiria falta. Agora me diga: quem morre está sentindo alguma coisa? Quem morre está na pior? Claro que não. Não há sentimentos quando a gente morre, Ana. A não ser antes da morte, mas antes da morte ainda é vida. Nós morremos como se morre uma barata, uma muriçoca. E aí depois é o nada, assim como era o nada pra gente, antes de a gente nascer. Você me entende?
- Você também está sendo radical.
- Por que?
- E as almas? E aquela galera que ama tanto, e de verdade, que volta pra dormir com a pessoa amada, que fica puxando o pé do outro a noite para chamar a atenção?
- Isso aí é outra história, Ana. E esse negócio de puxar o pé não tem nada a ver com pessoa amada. Isso é lenda de interior.
- Eu acredito em lenda do interior.
- Continue acreditando.
- Você é cabeça dura, Carlos. Mas eu gosto de você mesmo assim.
- Sabe, Ana, eu queria poder ver o fim do mundo, o apocalipse. Eu gosto dessas coisas. Imgina? Os prédios caindo, bolas de fogo no céu, as pessoas correndo. Eu não teria medo de morrer, sabe? Eu teria medo somente de morrer logo e não poder ficar mais um tempo pra ver, de fato, o fim do mundo. Aí seria chato. Poxa, se eu tô no fim do mundo, eu quero ver o mundo acabar, até o final.
- Eu hein!
- Não, veja só! Eu acho até que penso de uma maneira bem humanitária em relação a isso. Eu sempre fui assim. Sabe quando você se dá mal em uma prova do colégio e deseja, no fundo, que todo mundo se dê mal também pra você ficar na média?
- Sei.
- Pronto, é mais ou menos assim. Se ocorresse o fim do mundo, e eu pudesse ver, eu ficaria feliz, porque estaria todo mundo morrendo também, e eu indo junto, todos juntos. Seria muito bonito. Era o que me reconfortaria. O fim do mundo não é feio, Ana, porque se morrer todo mundo, ninguém vai sofrer de saudade, ninguém vai sofrer de lembrança, e o homem se acaba de vez.
- Que papo estranho, Carlos. De onde tu tirou isso?
- Ah! Eu pensei agora. Mas assim, eu não queria estar sozinho no fim do mundo. Eu morreria muito melhor se você estivesse contigo, correndo das bolas de fogo, mergulhando em lagos ferventes, se esquivando dos prédios que caem e dos tremores que racham a terra.
- Nossa!
- Eu estaria muito melhor com você, Ana. E te amaria profundamente antes do fim do mundo, só pra não sentir saudade, caso a alma depois nos pertube. Eu te amaria sozinho, e você também. E eu iria sentir, que mesmo com o mundo acabando, eu teria o mundo pra mim com você ao meu lado.
- Poxa! Que bonitinho!
- Gostou? Eu inventei agora.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Estrada de Belém.

Pela rua passa
uma senhora corcunda,
um homem de bicicleta
que faz a entrega da água
e um moço amputado que pede

moedas pra sobreviver.

Pela rua passa
uma menina que atravessa,
um cego que pede auxílio,
um vendedor de frutas
e um homem que se interessa

em uvas para comer.

Na calçada da rua passa
uma carroça de ambulante
vendendo pipocas e doces,
bombons e cachorros-quentes
além de batatas-fritas

para quem desejar comprar.

No meio da rua passa
um gato domesticado
e um cão desorientado
que pára pra coçar as costas,
mas busca nos lixos, nas valas,

uns restos pra mastigar.

Pela rua, na sombra, passa
uma velhinha doente,
que está com os dias contados,
e uma mocinha tristonha
largada pelo namorado

com as flores que veio a ganhar.

À tardinha, na rua, passa
uma moça com brinco de argola,
um vendedor de pirulitos de tábua,
uma mãe que segura a criança
e um pobre pedinte que implora

esmolas a mendigar.

No fim da tarde, na rua, passa
um padre que pede a bênção,
dá a esmola ao mendigo,
olha pra cruz da igreja, e entra
pra rezar a missa da sexta

e as beatas e as hóstias a voar.

Na rua, de noite, passa
um amante atrasado, ansioso
com o relógio de ouro no braço
e um perfume de rosas barato,
que pôs no cabelo e pescoço

pra a amada singela cheirar.

Passa na rua, no fim da noite
uma mulher grávida.
Havia encontrado o amante,
mas agora corre depressa,
descobriu que vai ser menino

e precisa ao seu noivo contar.

De madrugada, na rua, se ouve
os passos de homens estranhos.
O medo da menina aumenta,
se enrola nas fronhas e sonhos,
passou o dia brincando

e agora espera a noite ceder.

De madrugada, na rua, 'inda passam
meninos distantes, desnudos,
despidos de sentimentos,
com a fome de um dia inteiro,
guardando farelos com fungos

pro dia que vai nascer.

Às quatro da matina invadem,
velhinhos que caminham na rua.
Despertam a dor do sono dos outros,
e correm soltos pra soar os sinos.
Acordam os homens que voltam

à rua, pra poder viver.

Passageiro Pueril

Por sobre a torre sussurra o pátio
e o seu silêncio inerente.
Por sobre a ponte passa inerte
a parte do povo que é podre,
pigarreando perdigotos,
plantando em terra infecunda.

Com o coito calado de caos
a pobre poluição se porta tão tátil,
versáteis as dunas dançam,
sereias de terra, de barro, de morte.
Tanto traçavam tributos desenhos,
que desdenhando acalantos dormiram só.

Por sobre telhados tão quentes
de telhas tabladas de puro amianto,
o pensamento platônico que passa ausente,
passageiro pueril e pungente
tratando torpezas de tratores gastos,
esgotados de escarros de hostis transeuntes.

O pedestre então caminha fulano,
entre outros tantos pedestres que passam na ponte.
O mar, que é fonte flagrante de um rio poluente,
se prostra pautado em suas marés mortas,
enquanto povos pacíficos, que aprisionam preceitos,
tão logo se tornam sujeitos, viris truculentos de antes.

Tratados tortos e portas
de torres tembladas de fungo
e um funesto fedor de mofo,
molha, meloso, um odor nauseabundo,
detendo dois dedos de dor
diante de um Deus de olhar profundo.

Perigo pior penhorado perante o calar do mundo,
da escória da terra esborrou, alerta, este odor severo,
trás o enxofre que transbordou, teatro triste de prata,
preso pego propondo práticas funestas,
pudera protestar, mas sublime, se esquivou e se escondeu na mata.
Não mata num tilintar de pratos, não passa,
tão só como veio, perdoou seu crime.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Caso da Menina.

Há uma menina voando
e permeando imaginários.
Solta nos cantos, e leve,
enriquecendo noticiários.

Há uma menina de alma nobre
voando solta por sobre fios e telhados
transformada em pequeno anjo,
passeando por campos de trigo, e por cabeças,
tentando entendê-las e reanimá-las.

Há uma menina que cansa
do mundo adulto, da infância, e voa
por casas de barro atravessa
e dança, chorosa criança ao inverso.

Sente saudades da mãe,
e do pouco carinho que a anima,
mas está em outro mundo a menina
voando por sobre todos, e sorrindo.

Há uma menina voando por aí,
subvertendo no submundo.
Anda brincando solta com humanos
passando por casas de cimento e alvenaria sólida.

Há uma menina tão nova.
Voam os cabelos dela,
sentada no alto de uma grande colina,
anda tão livre e bela, a pequena
trazendo sorrisos singelos de menina.

Há uma menina de olhos ponderados,
que no auge da inocência,
voando por entre pessoas,
anda buscando nas valas, nos vales e florestas, um alento.

Quem sai brincando lá fora, ao vento?
Que grita ao espaço sussurros escassos?
Baixinho ela fala aos ouvidos do tempo
para que a entendam, menina,
para que a entendam.

Eu vi tuas lágrimas puras chorarem
e vi tua alma, sem saber onde chegara,
e ainda digo a todos
há uma menina voando,
por sobre o nosso inventário,
reinventando os horários
e pedindo, por favor, pra que ela voe em paz.

Há uma menina que ama, voando
longe da casa, do quarto, da janela.
Há uma menina que anima as noites, tão bela,
e chama a mãe, Carolina, como uma irmã,
pedindo que lhe conte histórias em voz alta.

Há uma menina, no topo da ribalta,
olhando com angústia, calada, intensa,
cegando os olhos de luzes, às luzes da imprensa,
pedindo, por favor, que desliguem as cameras,
fechem os cadernos, os olhos, falem da vida
e vão dormir, tranquilos.

Soneto que Tarda (ou Conselho de Amigo).

Se a ti deflora um novo amor repentino,
supera tua dor e espera tua hora.
Pois se tão tarde a tiveres, ou agora,
esse amor que aflora a ti será bem-vindo.

Se és tu inseguro, dessa forma nefasta,
rejeita teu jeito e aceita o futuro.
Pois se acaso a quiseres, te asseguro,
esse amor, mau-agouro, só de ti a afasta.

Não amarga uma dor que tão cedo deflagra.
O amor que demandas, princípio de mágoa,
te trará um penar que tão tarde não finda.

E por mais que te arda esse amor que te invade,
qualquer dor desvanece, como o sol, na tarde,
mas se pensas que esquece, é manhã ainda.

Sob os Olhos da Arte.

Sob os olhos da arte
que me invade
sob os olhos da arte
que me rende

final fight
happy end

Sob os olhos de águia da arte
que sob as águas me afoga poço adentro.
Sob os olhos da arte
que me atende

final fight
happy end

Sob os olhos da arte
que me prende
os colhões entre a porta
e entre os dentes

final fight
happy end?

Sob os olhos da arte
que me estende a mão na sarjeta
mas me cobre os lençóis, me surpreende
e encerra meus ovos, na gaveta.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Sobre Telhados.

Impregnando meu nome pelos cantos,
em pequenas palavras soltas, feitas de vidro,
eu me arrisco por sobre telhados e casas
de pessoas que não me escutam.
Ácidas, imóveis, inertes,
elas, ardentes, agora não me ouvem.

Por sobre o peso do meu próprio nome
e seu cuspir forçado de erres
e arrotos de crianças pequenas
sem casa, e inocentes, que agora voam depois de mortas,
eu rabisco palavras tolas,
que se perdem em significados
de sonhos, de ciúme, libido e quietude.

As palavras, em si, nascem sublevadas,
como um coro de aves,
como um jorro de pensamento roçado de sangue vermelho.
Num poema cáustico nasce a vida,
embaralhada,
atrapalhada,
solta.
Mas é assim que essa enxurrada se espalha,
se gasta, e voa leve,
Assim como pensamentos-pássaros.

Num poema cáustico eu me perco
e me acho.
Num poema fantástico de consolo,
de encosto, onde pessoas sobre telhados
não me escutam,
onde meninos que voam
falam de loucura,
onde a chuva faz som bonito
e o mundo cresce,
e se eleva,
como minha alma.