domingo, 24 de fevereiro de 2008

Por Outra.

Já pensei em contar-lhe segredos de meus amores,
passar entre os dedos teus cabelos longos.
Mas melhor não.
Irrelevante.

Já pensei em falar-te da vida, assim como um poeta.
Alisar tua nuca e soprá-la de leve, com o ar da minha boca,
para te fazer cócegas e te causar arrepios. Mas melhor não.
Besteira.

Tive a idéia de preparar-te uma surpresa no teu aniversário,
te mandar aqueles chocolates que gostas e uma cartinha de amor.
Mas achei melhor não fazê-la.
Seria tolo.

Já pensei em falar de mim, do meu carinho,
daquela sensação gostosa de olhar bem fundo nos olhos
e segurar tua mão. Mas melhor não.
Seria arriscado.

Já pensei em te chamar pra sair num domingo à noite,
quando a tristeza bate devagar, mas depois aumenta.
Eu te falaria mil coisas e esqueceria do mundo. Mas melhor não.
Seria incômodo.

Já pensei em te convidar para um jantar aqui em casa,
falar da nossa vida, da vida alheia e te apresentar minha família.
Mas é melhor não.
Eu seria covarde.

Pois isso tudo que penso não é pra ti.
Tudo que penso em fazer e dizer é por outra.
Tudo que penso é lembrança, é resquício.
Então eu idealizo.
Tento fazer de ti o que não és.
Tento fazer de minhas atitudes,
as atitudes que poderiam ser pra ti,
mas que, infelizmente, não são.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Estrofe.

Pra quê curar se minha fratura é leve?
Me socorrer sem ter necessidade.
Melhor deixar que tudo vire verme,
pra ter a terra sua fertilidade.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Poema da Madrugada.

Não há raiar do dia, nem rancor
quando os meninos da noite não dormem de madrugada.
O rancor de quem os ignora, neles não há,
mas agora se projeta nos sonhos, ou pesadelos.

Não há rancor no raiar do dia para quem dorme
em caixas de papelão, cavaletes, muros,
casas de pedra e paralelepípedos.
Não há rancor, nem dia, mas só enquanto dormem.

Os meninos pensam em suas mães,
dormem por elas.
Mas o futuro não há.
É o que elas têm dito desde que eles nasceram.

Não há futuro para quem dorme
enquanto homens, de fato, ainda estão acordados.
O menino não pensa de madrugada,
mas ao dia, na injustiça do dia, à luz dos tiranos, eles sentem raiva.

Não há mar, não há. Nem natureza.
Nem há sentido para a vida mesquinha,
gente mesquinha, seres desonestos.
Não há espaço pra sonetos.

Um rato passa entre seus dedos pretos, enquanto dorme.
O menino, de madrugada, acorda.
Ele não come há três dias, e não toma banho há uma semana,
mas é ele quem sente, de madrugada, a podridão do mundo.

Soneto que Lavra.

Se em ti agora revelo um desatino,
espero tua dor e sufoco tua aura.
Pois tão tarde te evoco, minha cara,
que esse amor que degolas, já não é bem-vindo.

Se esperas futuro de um sujeito de farras,
aceita a pancada de um amor inseguro.
Pois se, de fato, me queres e estás em apuros,
não é pulando este muro que me darás tais galhadas.

Acaso quiseres perdão de um amor mal-concebido
já é sabido que não acatarei teu pedido,
porque de mim não te afastas, minha cara.

Já que é tão rara a presença, nesse amor intranquilo,
carrega teus filhos e a crença, que te dão tal como sonhara.
Mas não pões o dinheiro em questão, nem pede pensão, jóia rara.