sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Ágata.

Eu sinto o vento na pele,
eu movo o vento pra mim,
e a lua eu trago aos meus pés
e ao brilho de meus olhos e lágrimas.

Eu sinto o vento na ponta dos pêlos
e movo a terra pra mim.
O mar vou saudar, e me salga
a água, que é extensão de mim.

O lenço ao vento são dedos.
O vento me beija, me enlaça
o bem da terra, as estrelas,
pois a terra me move, me joga.

Sou confidente das palhas dos coqueiros,
que me contam segredos de madrugada,
dos passos dos homens que tenho medo,
pra fugir deles, do mundo, e ser o mundo.

Eu movo as águas do rio quando choro
e peço paz na minha prece celeste, acordada.
Eu trago as estrelas até mim, absortas,
que me saudam e me ouvem, atentas.

Sou o oposto do urbano, e o subverto,
sou o passo leve das aves, dos bichos,
sou a seiva saliente das árvores
e a calma contente das pessoas simples.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Poluição.

Por entre latas de óleo Soya,
tampas de margarina,
pacotes de biscoito Treloso
e sabão,
eu não nado.
Fico em terra,
tomando água de coco,
enterrado.

Em meio a sacos de açúcar,
latas de cerveja,
absorventes usados
e garrafas PET,
eu não nado.
Não sou fardo que a terra carregue,
nem sou lixo
bronzeado.

Eu não nado se o mar é turvo,
se o vento é sul
e traz sujeira de um rio podre,
se a brincadeira do banho
é catar bisnaga de desodorante vazia,
sapato usado,
chinelo velho.
Resto de mar.

Por entre meus dedos
não passa o sangue escorrido de ratos,
não passa o marrom de águas viscosas
de um infeliz rio Capibaribe
de cachorros mortos,
do choro inesplicado dos mendigos,
dos esgotos dos ricos moradores de áreas nobres,
das fezes da população de áreas verdes.

Poetas de antigamente hoje lamentam
o Capibaribe dos sacos plásticos,
dos copos descartáveis,
dos olhos desolados dos descolados jovens das ruas antigas,
da sujeira cinza do diesel,
do óleo dos navios mercantes
impregnado nas margens do rio,
onde poetas eternizados em concreto armado choram.

Não cubram a face escura do rio
com a lona negra dos morros,
nem tapem o corpo imundo do rio
com o pano branco dos mortos,
pois ainda sobe o cheiro,
às narinas de turistas fascinados
e pescadores esperançosos,
da urina e da putrefação dos bichos.

Vento Norte.

Quando o vento é norte
na praia de Pau Amarelo,
o mar muda, fica mais verde
como em outros dias não costuma ficar.

Quando o vento é norte,
nessa mesma praia,
vêem-se os pescadores saindo
em seus barquinhos brancos,
de madeira plana, entalhada e rasa.
Suas vidas simples tomam forma,
seu trabalho árduo
sob o castigo do sol
ganha sentido.

Quando o vento é norte
o mar fica mais limpo,
porque é uma água pura
de um oceano intacto,
que vai banhar o povo.
Onde suam por uma vida mais digna,
onde pena-se pela seca,
onde os tempos são mais longínquos
e os segundos, duradouros.

Quando o vento é norte, há vida
e todos podem respirar a maresia.
O mar mais verde fica,
os banhistas mudam suas feições,
antes tristes.
Deixam de banhar-se por obrigação,
disciplina, e se entregam ao oceano
numa alegria diferente que nem eles percebem.
Andam ao lado da natureza
e se filiam à ela.

Quando o vento é norte,
a sorte deles muda,
a de todos nós,
poetas, banhistas, letristas, músicos,
diplomatas, pescadores...
Porque o mar atinge a todos,
mas só atinge à alma humana,
quando nele há verdade,
quando não é mar da cor da terra,
porque terra tem que ser terra
e mar tem que ser mar.

O Vento norte é mais calmo,
é alma.
Quando o vento é sul,
o mar ganha rima feia...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Apreensão.

quebra-mar
quebra-nozes
quebra-cara
quebra-quebra

queima de estoque
queima de arquivo
queima de cd's piratas na Rua da Imperatriz.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Viva Luanda.

Viva, Luanda
É rara a tua presença
É rara a tua entrega
teu gostar.

Aceita, Luanda
que a vida não é regra
a vida tem um tempo
pra se aproveitar.

Aceita, Luanda
não tens domínio sobre ela
nem sobre ti mesma
sobre mais ninguém.

Note que a vida é breve, Luanda
E que ainda assim, nesses passos, anda
numa passagem leve dos fatos
dos rastros que deixa alguém.

Não cria grande esperança, Lua
que a vida, cruel e crua,
nos prova a todo momento
nos mostra a coisa bonita
põe quem quiser pôr
tira quem quer tirar.

Não sei, Luanda
não sei falar da vida
pois ela mesma me trái.
Segue teu coração.

Agora me pego confuso,
será que falo de ti,
ou de mim, Luanda?

(janeiro)

Desavenças.

Hoje eles já não se encaram mais.
Passam desapercebidos pelos carros.
Não pulam alto dos postes,
nem gritam sua felicidade morro acima.

Hoje já não se importam com o mundo.
Apenas se encontram em frente à TV,
sucumbindo ao tecnológico, ao interativo,
comendo pizzas e chupando drops.

Enquanto eles falavam,
eu sonhava, pensava no justo e no certo.
No único e correto meio de igualar a todos,
num só patamar da sociedade, e disfrutar o lado bom da vida.

Mas hoje eles já não falam mais.
Se cruzam na rua como dois anônimos.
Esqueceram o dom do poeta
e o sentido bruto do absurdo.

Seus passos na praia se apagaram,
em cinzas se tornaram os papéis onde escreviam.
Nos manuscritos de velhos pensamentos,
os anseios juvenis de seres passados.

Hoje entregam à tv o poder de julgar a todos
e não dominam mais seus atos, sua inércia.
São contemplativos, são saudosos. Rememoram uma vida passada
e se esquecem do presente, sentados em suas poltronas.

Eram antes revolucionários, lutando por justiça e igualdade.
Suas barbas espessas testemunharam
o dia em que tudo deixou se ser sonho
e tornou-se apenas acontecimento.