quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Análise do Tempo.

De tanto vermos correr a lebre de nosso momento
e nem termos a vaga idéia profana
ou, sequer, a chance do arrependimento,
nos vemos à deriva na vida,
onde a fruta, já apodrecida,
é colhida à toa, sem sentimento.

Nós vemos correr esse tempo
e esse tempo, lebre, como experto voa.
Não lebre, sem asa, mas ave,
pois o tempo destoa sem pensar no tempo.
Nós que indagamos como ele, traiçoeiro, age
sem nos importar, inertes, com o valor do que falamos.

Não queremos correr, mas corremos.
Não queremos pensar, mas pensamos.
Pois, na correria do tempo,
seja ele ave ou lebre,
sem querer, mesmo pensando
é por ele que, sendo levados, estamos.

Não quero pensar que ele se liberta.
Desejaria aprisioná-lo se me fosse viável,
mas o tempo é ser humano estranho, improvável
e dele não se há de extrair resposta certa
ou certeza que ache nesse mundo incorreto
ou esse mundo incerto em seus planos e metas.

Estrela Cadente ou Poema Meloso.

É só dizer: - Não te quero.
- Não te quero, e vá embora.
Pra eu não dizer que te espero
e te espero mais, como agora.

É amarga minha hora, meu anseio e penar
que aqui, junto a todos, qualquer um assiste.
Só quero dizer-te para de mim lembrar,
sem me achares tão tolo nessas horas tristes.

É só dizer-me três palavras amargas,
que engolirei eu mesmo minha dor
- Não te quero. Nem quero amar-te.
E irei embora, tão sozinho quanto hoje sou.

Não adianta guardar o que hoje me mostras,
pois não sorris pra mim daquela forma radiante.
É de mim, que eu já sei, que tu não mais gostas,
apesar de querer-te, estrela, assim, cadente.

Não andas tão quente quanto antes
e teus instantes comigo são eternos.
Vês o tempo passando nesse teu inverno,
branco, seco, e ao meu lado, distante.

Pra mim ainda és pérola, estrela,
pois não tenho vergonha de amar-te.
Pena que teu amor é cadente
e com minha rede não há como segurar-te.

Segue teu rumo nessa hora em que choro
e não olhas por mim, que eu mesmo olho.
Não pensas que me abandonas por toda vida,
pois tu, estrela cadente, no céu da minha lembrança ainda brilha.

Verde Amargo.

De ver-te pensei seres tão bela, mas amarga eras.
Eu não sabia.
De verde, tua luz refletia na dança, singela.
Eu sendo criança nem reparei como me olhavas,
esguia,
de trás.

Deram-te asas, em cores rubras,
intensas, como a ti mesma,
de contraste com o verde,
que de tanto verde,
de tanto ver-te,
me envergonhei.

Não soube falar três palavras:
- Como te chamas?
E de ervas verdes te camuflavas,
e te inflamavas tuas chamas.
Tu queimavas, e eu ardia,
como a ti, que fantasiada de tu mesma
sem querer me olhava, e eu não sabia.

Na tua dança singela eu vi sombras de menina,
em teus passos leves e em teus sorrisos suaves.
Pena que o tempo tenha feito esse momento tão breve
e que eu, mesmo falando menos de três palavras,
pensei em ti nesses três dias
mais do que havia antes imaginado,
mais do que havia eu programado.
Pois surgistes na frente de todas,
e tomastes teu lugar, furtiva, displicente,
amarga.

Não quero tolher tuas asas de anjo,
mas se pudesse eu, tomá-la de repente para mim,
como nos sonhos que sonhei nestes dias,
e me fazer conquistá-la, para simplesmente não estar só aqui
neste banco, pensando em amores estranhos
como um marmanjo de vinte anos.
Se eu pudesse tê-la e transformar esse rio que formou-se mar,
pois era apenas um beijo, doce amarga, que ansiava em te dar.

Não me faça verde agora,
nem me faça soar triste o som do dia,
pois quero ver-te, se puder, agora
pra me ver feliz enfim, se isso existe.

Não descobrir ser tu tão amarga e tola
talvez fosse melhor do que ver-te
e estragar o pensamento que tive.
E como ervas és, que nem percebi!
Pois mesmo falando a ti como um amigo,
em conversas tolas onde nem mesmo consigo
ultrapassar o óbvio,
vejo que, de mim, dei demais
e tu em nada de troca me destes,
nem sequer o desejo de ver-me um dia mais
e dar-me uma chance pro que eu dissesse.

Mas vi, doce amarga,
na tua contradição,
um motivo maior pra parar de pensar em ti
e sair por aí, cantando.

Entrelinhas.

Posso até esconder em meus cadernos,
nos escritos que deixo entre folhas espaçadas,
o sentido de um amor repentino.
Mas não sei que fruto é esse,
que pode fazer parte, simplesmente, da imaginação
ou que pode ser criado mais profundamente,
em confins mais humanos do coração.
Para isso não tenho resposta
e resposta, mesmo assim, não deve haver,
pois, amar ou admirar, por assim dizer,
é uma resposta que somente o tempo dará.

Enquanto isso...
eu sigo esperando, ansioso,
como quem não quer esperar.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Dívidas.

Eu tive que vender sete livros de minha estante
e os títulos de renda aculados por minha mãe em dez anos.
Eu tive que vender meu sofá de couro imitado
que grudava as costas quando me deitava sem camisa.

Eu tive que vender a televisão que via
e os jogos que assistia à tarde antes do Faustão.
Eu tive que vender o ingresso que tinha para o clássico
do Sport contra o Náutico e ficar em casa para tentar vender
as camisas falsificadas que havia comprado na Dantas Barreto.

Eu tive que vender meus cd´s piratas
e os originais também.
Eu tive que vender os três quilos de feijão verde
que havia juntado pro meu aniversário na semana que vem.

Eu relutei em vender a poltrona velha que tive até ontem
e que havia ganho do meu avô pouco antes de sua morte.
Mas vendi.

Eu tive que vender meus dias de folga e anos de trabalho
numa empresa lucrativa do ramo de energia elétrica,
cujo nome eu prefiro não citar.

Eu tive que vender alguns móveis do meu quarto,
o criado-mudo e o guarda-roupa.
Agora deixo minhas roupas sobre duas cadeiras de plástico
que peguei emprestadas com a vizinha de baixo,
depois de vende-la algumas camisas novas.

Eu tive que vender o direito de me apaixonar
por uma atendente de telemarketing que morava lá em Candeias.
Eu tive que vender, inclusive, meu celular comprado
naquela mesma ferinha da Dantas Barreto.

Eu tive que vender moedas antigas que minha mãe
guardava em uma caixinha metálica
de biscoitos antigos que se diziam finos.

Eu tive que vender paixões roubadas e dizeres não ditos
a uma menina linda que encontrei em minha adolescência.

Eu tive que vender santinhos de gesso que minha vó
acumulou durante anos e que enfeitavam seus móveis.
Eu tive que negociar com os anjos da guarda minha proteção,
e ainda exigir minha bênção, sem dinheiro vivo nem dízimo
a se pagar mensalmente, e já com atraso, ao paroco da igreja
nova, aqui perto de casa.

Eu tive que jogar a Deus minha sorte pra não vender minha alma
pra um ser errado das histórias da bíblia.

Eu tive que vender botas furadas e sapatos usados
que já haviam sido usados por um de meus tios.

Eu tive que vender o olhar da moça que passou de mãos dadas
com o namorado e olhou sem pudor para mim.
Eu tive que vender os risinhos e desculpas que ela deu pro namorado.

Eu aluguei meus cintos pra serem usados, cada fim de semana,
num evento diferente daqui do bairro.
Eu tive que vender o lixo orgânico e o reciclável
que quase nunca vinham tirar daqui da frente da casa.

Eu tive que vender, com pena e tristeza, as mil cartas apaixonadas
que juntei durantes anos. E com elas, as lágrimas sinceras
de um amor bonito que tive e que guardo até hoje,
se não tiver que vendê-lo também.

Eu tive que vender o amor.

Eu tive que vender as poluções noturnas que tive com a menina
mais linda do colégio.
Eu tive que vender, inclusive, as fotos que tinha com a turma
da oitava série na festa em que bebemos vodka pela primeira vez
e eu peguei a Renatinha, que se dizia CDF, na escada do prédio da Paloma.

Eu tive que vender circuitos elétricos, garrafas de whyski nacional,
bombas de efeito moral, drogas leves e outras coisas que me deixavam ligado.
Eu tive que vender rolhas de vinho e o vinho, envelhecido em garrafas
postas em estantes de madeira que o cupim já havia corroído.
Inclusive as vendi também, não sei como.

Eu tive que vender minha loção pós-barba que comprei com tanto custo
após descobrir que tinha a pele sensível. Frescura, né!?

Eu tive que vender desodorantes vencidos, sopas guardadas
em potes de sorvete, meias com furos na ponta do dedão,
sandálias usadas durantes anos, sacos com sementes vermelhas
que haviam caído de uma árvore estranha, sons e ruídos que havia escutado durante a infância, cheiros e aromas que havia sentido e as lembranças.
As boas lembranças, e as ruins também.

Eu tive que vender tudo que não fiz de bom pra ninguém
e que devia ter feito.
Tive que vender meus sonhos e sabores.

Tive que vender o banho de mar às cinco horas da manhã,
e as aulas de natação às seis.
Tive que vender a sensação gelada da água fria da piscina do clube.

Tive que vender meus sonhos e os da minha mãe, que queria me ver
formado em alguma coisa, mas não dá.
Porque tive que vender minha honra e minhas calças,
pra pagar o vale B do Rio Doce/CDU que pego todos os dias.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Colombo

A América nos presenteou com armas, nos deu a guerra.
Vamos engatinhados rumo à paz,
aos sonhos breves e nascimentos tortos.
Dentro de nós estão seres desacordados,
presos ao desconhecido e com medo do mundo,
mas de mansinho voamos

e indagamos a todos nossa essência.