terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Pequena.

Eu acho que és, pequena,
um pouco de sombra e luz.
Tens olhos e voz tão mansos,
é lá que me guardo
quando te olho.

Parece que és, pequena,
um pouco do que me salva,
e se tens tu um tanto
dessa meninice boa,
tens também algo que me resguarda
e que, por tolice,
me faz sentir medo em certas horas,
um medo bobo de te parecer pequeno
e teu olhar não ver no meu
mais além do que aquilo que vês
quando eu sorrio
e os olhos ficam pequenos.

Quando eu seguro tua mão,
traduzo um mundo
que pode ser meu
e sinto uma felicidade
de futuro bonito.
Teu afeto transcorre teu corpo
e se transforma em carinho.
Os olhos parecem pedir ressalva
e um abrigo que não nego.

Receio que és, pequena,
um tanto desse meu alento,
um pouco dessa minha calma.

Receio também que já é tarde,
não há como voltar atrás
agora que sei dos teus olhos,
da íris, da boca e dos teus sinais,
agora que reconheço, feliz,
os teus detalhes, tua minúcia,
tua nuca,
tua voz calma
e o sorriso.

Agora parece inevitável,
eu acho que és, pequena,
o meu futuro.

Vinho Tinto.

Se é tanto o vinho, o tinto, risonho,
se é triste esse copo que trinca o sonho,
maior é minha sede,
maior é o desejo de me desregrar.

Se é tamanha a tolice do álcool,
se tomando essa taça me sinto ator,
então represento meu ato alcoólico
pra atar-me a ti.

Tão logo tu tinge teus olhos, louca, e a cara,
e pinta também teus desejos de tequila,
pra só então emaranhar-te de volúpias,
e atuar com tuas pernas em mim.

Portanto é esse vinho que enerva,
e aumenta a vontade que se conserva,
no meu anseio inquietante, de manter-me ébrio,
e assim ferver tua respiração e teus lábios.

É lá de onde parte, meu porto de vícios,
ao parir teus olhares de vinho tinto,
um hiato,
e ao ver, dilatando minhas pupilas numa lata,
teu corpo pungente atuar como num teatro.

Moleque.

Na degradação dolorosa da vida,
o que nos sobra é um rosto
não mais que uma fossa,
manchada de escusas
e ressentimentos.

O que sobe é a dor na cabeça,
desregrada de docilidades,
abandonada numa felicidade
que não houve,
e que nem pode haver.

Não há o que negar
nem renegar num rosto vazio,
em que já não há
o que se enxergar,
nem de perto, nem de longe.

Um rosto que percebe,
na sua condição injusta,
que nada é o amanhã
e que essa dúvida
de viver ou vingar
é o que lhe resta para hoje.

Sem medo de morrer,
sem medo de apanhar.

Arranha-céu.

Subi três degraus
dos arranha-céus,
dolosos troncos falsos na terra,
fincados na dor dos outros,
lustrados em água de sal,
dolorosos céus,
pintados da cor do mal,
no penhasco, na encosta,
no abissal humor,
mal oceânico.

No alto arranha-céu,
penosos degraus
calorosos graus
de um sol tropical
entre os trópicos,
cancerígenos,
capricorniais,
acima do que suportam
os meus olhos normais,
que ardem além
dessas temperaturas.

Aquém demais,
a quem, às quais?
Subi alto às três,
às dez,
subi mais além
em tal viés de escadaria,
ao invés de me ausentar
no inferno,
e pensar, rancoroso,
no medo da morte.

Sem calar minha boca,
ao ceifar o calor nos lábios,
e pôr meus caminhos nos trilhos,
plantando a dor latejante na testa
a resvalar nos cílios.

Parece que subi mais
na minha tez,
ao invés de morrer,
fui percorrer o meu corpo
de vez.
E despolido passeei sem pudor,
sem pensar no pútrido,
no químico,
no orgânico.

Nos degraus,
do decrépito arranha-céu,
eu vi minha vida voar do alto.
Não invejais, no entanto,
essa posição de sol
nem essa sorte,
de ver do alto
a calamidade,
a cidade,
o assalto,
o sublime.

Não inveje, portanto,
essa morte minha,
o salto, o pulo,
a visão de todo
esse mal.
Galgue aos poucos,
teus graus,
teus degraus,
teu céu.

Me acorde, então,
às três, às dez, ou depois,
ao subires mais
e mais.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Lamento de Onda.

Na marcação do mar,
ritmo vulgar das ondas
a levar e trazer mistérios de mar
que caem consolados no marulho, do céu,
cada cria do mundo,
cada um que sai, a constelar e viver
cai ao naufrágio seguro do mar
no encalhar dos corais, dos cocos, do cais.

Na rotina do mar,
um marco de sal a salgar,
a velar a jangada que vai
a jangar a velada marcha da praia
do Guarujá a Jamaica
do Janga a Maragogi,
a contornar o caldo
da costa calada,
da dor do mar à noite.

Na poeira da praia a arar o vento
rumar o navegar da encosta ao mar
quando amanhecer, desmaiar,
nas manhãs vadias do acordar
é lançar-se à calmaria, e velejar
seja daqui pra lá,
seja pro além-mar
da Península Ibérica ao Mar de Aral.

Ater-me a pescar
e a andar na suave leveza da areia morna,
cansado na preguiça de tempo, de brisa,
ao deleitar-me e deitar-me,
a amainar minha cólera,
colher as velas
e minha enfermidade.

Na marcação do mar, navegar
ao barulho do susto, na polpa do barco,
ao transpirar o mormaço que marca,
ao mergulhar transeunte nas ondas,
num cardume de peixes,
no costume das águas,
um sargaço a deriva
ao cansaço de só
flutuar e nascer.

No amanhecer,
acalento tristonho de mar,
o mar parece esmaecer, ao ver,
o sol se afastando de lá.