skip to main |
skip to sidebar
Tenho a mão perto dos olhos
tenho a tristeza que acena ao lado
faz um carinho na cabeça
me beija a nuca
e dorme.
Tenho nas mãos o teu poema afiado
tenho o teu choro, no papel, secando
me molha a pele
me traz um sonho
e some.
Tenho no rosto um dos póros sangrando
tenho um olho profundo que por dentro me olha
me esquece sozinho na cama
me diz duas palavras ao ouvido
me consome.
Tem um mar
e no fundo me afogas.
Tem um espaço
entre eu e ela.
Tem minha cabeça
com anseios torpes.
Minha junção da perna com o joelho
meus ombros e costas
a ponta dos dedos dos pés
a mão cansada de escrever
o coração que se cansa
e o pensamento que dói.
- Eu acho que amar é o único anseio que nos resta hoje em dia, Ana. Não há mais revolução, ninguém acredita na política, poucos querem mudar o mundo, Ana. Então o que nos resta é amar. Pra quê fazer revolução, Ana, se eu posso ter você todos os dias aqui nesse apartamento. O mundo acaba, Ana, quando nos encerramos aqui, nesse "sala e quarto" pago em aluguéis tão razoáveis. Acabou. Esse papo chato de emprego, de empresas júniors, de investimentos pessoais, de marketing avançado, de crescimento econômico e social, ascensão profissional, gastos mensais... Ninguém quer saber mais disso, Ana. O mundo se encerra quando se ama. Não há adolescente hoje que não queira apenas amar e consumir. E consumir já é um ramo que nasce da árvore que é amar, porque qual o sentindo de consumir que não seja o de aparecer para ter, e ter para atrair? Tudo bem que hoje é melhor se ter do que ser, mas isso é errado, Ana. As pessoas de hoje só querem é amar mesmo, é tudo voltado pro amor, mesmo que equivocadamente, é tudo voltado pra ele. Os deputados desejam despir-se de seus paletós, assim como empresários e funcionários públicos. O estudante quer tirar sua farda, e ficar nu para o mundo. E amar. Eu só vejo isso, Ana. Vivemos uma crise existencial de proporções quilométricas, Ana! Você não percebe? As pessoas não são mais, elas vivem para ser algo, e no fim da vida percebem que não foram nada. No fundo elas queriam amar, Ana. Mais do que amaram, mais do que viveram. Todos querem despir-se, se libertar de vez e andarem livres no meio da rua. Você não percebe? Está todo mundo aflito, e a juventude mais ainda, porque está reprimida em sua plenitude de amar, porque ninguém permite a eles, que passaram a vida escutando, que passaram a vida recebendo exigências de melhoras de vida. Falam que é necessário ser alguém a toda hora, mas não sabem que esse ser alguém é, na verdade, se destruir para não ser nada e ter dinheiro para ganhar o mundo. Mas não se ganha o mundo com dinheiro, Ana. O mundo se ganha com amor, esse amor que é tolhido desde da infância, essa pureza que nos é tirada desde quando pequenos. Eu te amo desde pequeno e o mundo se basta somente quando te tenho. E assim segue com o resto das pessoas. Quem quer crescimento de vida quando se tem a quem se dedicar, quando se tem alguém que lhe admira? O mundo se encerra, Ana. O mundo se explode. É por isso que hoje ninguém quer mais revolução, ninguém quer mais política, estão todos ausentes das questões que as envolvem, porque estão todos sozinhos. A solidão aumentou. E quanto mais ela aumenta, mais se sente a necessidade de amar, Ana. E quando estamos sozinhos, desejamos cada vez mais estar menos sozinhos e andar por aí, pela vida, errando, tentando suprir uma vontade cada vez maior de não estar só, e se ter alguém para conversar num fim de tarde. É isso que as pessoas sentem. É por isso que vivem correndo atrás de objetos fúteis, de saídas furadas e de conversas quaisquer. É por que sentem esse desejo de estar com alguém, de se despir, Ana, e de amar. Tudo se resume a isso. - Olha! Tua papa tá pronta.- Poxa, valeu.
- Sabe, Ana, eu não tenho medo da morte.- E porque haveria de ter? Você é tão cheio de si, tão aventureiro.- Não é isso, Ana. É que eu não me imagino sentindo dor ao morrer. Eu acho que a dor, a dor verdadeira que se sente, é só para aqueles que ficam, só para aqueles que continuam na vida e sentem saudade. Eu teria saudade de você, Ana, se não estivesse morto. Estando morto eu não sentiria nada.- Eu não queria que você morresse. Você me faria falta.- Por que te faria falta?- Ah! Sei lá. Você cuida tão bem da casa, lava minhas roupas, minhas calcinhas.- Ha! Engraçada!- Você sabe que não. Eu sentiria falta do seu corpo, das suas conversas bestas. Desse seu olho profundo que insiste em ficar me olhando. Do sorriso que tu me dá quando eu sorrio de volta e dos abraços. Dessas palavras bonitas que tu me diz, insistindo que meus olhos são teus, que minha boca também e que meu nariz é bonito.- Ah! Mas seu nariz é bonito.- Puf! Lá vem tu de novo com essa história.- Eu gosto de você do jeito que você é, Ana.- Não precisa me deixar com vergonha, né?- Mas está vendo você: se eu morresse, a quantidade de coisas que você sentiria falta. Agora me diga: quem morre está sentindo alguma coisa? Quem morre está na pior? Claro que não. Não há sentimentos quando a gente morre, Ana. A não ser antes da morte, mas antes da morte ainda é vida. Nós morremos como se morre uma barata, uma muriçoca. E aí depois é o nada, assim como era o nada pra gente, antes de a gente nascer. Você me entende?- Você também está sendo radical.- Por que?- E as almas? E aquela galera que ama tanto, e de verdade, que volta pra dormir com a pessoa amada, que fica puxando o pé do outro a noite para chamar a atenção?- Isso aí é outra história, Ana. E esse negócio de puxar o pé não tem nada a ver com pessoa amada. Isso é lenda de interior.- Eu acredito em lenda do interior.- Continue acreditando.- Você é cabeça dura, Carlos. Mas eu gosto de você mesmo assim.- Sabe, Ana, eu queria poder ver o fim do mundo, o apocalipse. Eu gosto dessas coisas. Imgina? Os prédios caindo, bolas de fogo no céu, as pessoas correndo. Eu não teria medo de morrer, sabe? Eu teria medo somente de morrer logo e não poder ficar mais um tempo pra ver, de fato, o fim do mundo. Aí seria chato. Poxa, se eu tô no fim do mundo, eu quero ver o mundo acabar, até o final.- Eu hein!- Não, veja só! Eu acho até que penso de uma maneira bem humanitária em relação a isso. Eu sempre fui assim. Sabe quando você se dá mal em uma prova do colégio e deseja, no fundo, que todo mundo se dê mal também pra você ficar na média?- Sei.- Pronto, é mais ou menos assim. Se ocorresse o fim do mundo, e eu pudesse ver, eu ficaria feliz, porque estaria todo mundo morrendo também, e eu indo junto, todos juntos. Seria muito bonito. Era o que me reconfortaria. O fim do mundo não é feio, Ana, porque se morrer todo mundo, ninguém vai sofrer de saudade, ninguém vai sofrer de lembrança, e o homem se acaba de vez.- Que papo estranho, Carlos. De onde tu tirou isso?- Ah! Eu pensei agora. Mas assim, eu não queria estar sozinho no fim do mundo. Eu morreria muito melhor se você estivesse contigo, correndo das bolas de fogo, mergulhando em lagos ferventes, se esquivando dos prédios que caem e dos tremores que racham a terra. - Nossa!- Eu estaria muito melhor com você, Ana. E te amaria profundamente antes do fim do mundo, só pra não sentir saudade, caso a alma depois nos pertube. Eu te amaria sozinho, e você também. E eu iria sentir, que mesmo com o mundo acabando, eu teria o mundo pra mim com você ao meu lado.- Poxa! Que bonitinho!- Gostou? Eu inventei agora.
Pela rua passauma senhora corcunda,um homem de bicicletaque faz a entrega da águae um moço amputado que pedemoedas pra sobreviver.Pela rua passauma menina que atravessa,um cego que pede auxílio,um vendedor de frutase um homem que se interessaem uvas para comer.Na calçada da rua passauma carroça de ambulantevendendo pipocas e doces,bombons e cachorros-quentesalém de batatas-fritaspara quem desejar comprar.No meio da rua passaum gato domesticadoe um cão desorientadoque pára pra coçar as costas,mas busca nos lixos, nas valas,uns restos pra mastigar.Pela rua, na sombra, passauma velhinha doente,que está com os dias contados,e uma mocinha tristonhalargada pelo namoradocom as flores que veio a ganhar.À tardinha, na rua, passauma moça com brinco de argola,um vendedor de pirulitos de tábua,uma mãe que segura a criançae um pobre pedinte que imploraesmolas a mendigar.No fim da tarde, na rua, passaum padre que pede a bênção,dá a esmola ao mendigo,olha pra cruz da igreja, e entrapra rezar a missa da sextae as beatas e as hóstias a voar.Na rua, de noite, passaum amante atrasado, ansiosocom o relógio de ouro no braçoe um perfume de rosas barato,que pôs no cabelo e pescoçopra a amada singela cheirar.Passa na rua, no fim da noiteuma mulher grávida.Havia encontrado o amante,mas agora corre depressa,descobriu que vai ser meninoe precisa ao seu noivo contar.De madrugada, na rua, se ouveos passos de homens estranhos.O medo da menina aumenta,se enrola nas fronhas e sonhos,passou o dia brincandoe agora espera a noite ceder.De madrugada, na rua, 'inda passammeninos distantes, desnudos,despidos de sentimentos,com a fome de um dia inteiro,guardando farelos com fungospro dia que vai nascer.Às quatro da matina invadem,velhinhos que caminham na rua.Despertam a dor do sono dos outros,e correm soltos pra soar os sinos.Acordam os homens que voltamà rua, pra poder viver.
Por sobre a torre sussurra o pátio
e o seu silêncio inerente.
Por sobre a ponte passa inerte
a parte do povo que é podre,
pigarreando perdigotos,
plantando em terra infecunda.
Com o coito calado de caos
a pobre poluição se porta tão tátil,
versáteis as dunas dançam,
sereias de terra, de barro, de morte.
Tanto traçavam tributos desenhos,
que desdenhando acalantos dormiram só.
Por sobre telhados tão quentes
de telhas tabladas de puro amianto,
o pensamento platônico que passa ausente,
passageiro pueril e pungente
tratando torpezas de tratores gastos,
esgotados de escarros de hostis transeuntes.
O pedestre então caminha fulano,
entre outros tantos pedestres que passam na ponte.
O mar, que é fonte flagrante de um rio poluente,
se prostra pautado em suas marés mortas,
enquanto povos pacíficos, que aprisionam preceitos,
tão logo se tornam sujeitos, viris truculentos de antes.
Tratados tortos e portas
de torres tembladas de fungo
e um funesto fedor de mofo,
molha, meloso, um odor nauseabundo,
detendo dois dedos de dor
diante de um Deus de olhar profundo.
Perigo pior penhorado perante o calar do mundo,
da escória da terra esborrou, alerta, este odor severo,
trás o enxofre que transbordou, teatro triste de prata,
preso pego propondo práticas funestas,
pudera protestar, mas sublime, se esquivou e se escondeu na mata.
Não mata num tilintar de pratos, não passa,
tão só como veio, perdoou seu crime.
Há uma menina voandoe permeando imaginários.Solta nos cantos, e leve,enriquecendo noticiários.Há uma menina de alma nobrevoando solta por sobre fios e telhadostransformada em pequeno anjo,passeando por campos de trigo, e por cabeças,tentando entendê-las e reanimá-las.Há uma menina que cansado mundo adulto, da infância, e voapor casas de barro atravessae dança, chorosa criança ao inverso.Sente saudades da mãe,e do pouco carinho que a anima,mas está em outro mundo a meninavoando por sobre todos, e sorrindo.Há uma menina voando por aí,subvertendo no submundo.Anda brincando solta com humanospassando por casas de cimento e alvenaria sólida.Há uma menina tão nova. Voam os cabelos dela,sentada no alto de uma grande colina,anda tão livre e bela, a pequenatrazendo sorrisos singelos de menina.Há uma menina de olhos ponderados,que no auge da inocência,voando por entre pessoas,anda buscando nas valas, nos vales e florestas, um alento.Quem sai brincando lá fora, ao vento?Que grita ao espaço sussurros escassos?Baixinho ela fala aos ouvidos do tempopara que a entendam, menina,para que a entendam.Eu vi tuas lágrimas puras chorareme vi tua alma, sem saber onde chegara,e ainda digo a todoshá uma menina voando,por sobre o nosso inventário,reinventando os horáriose pedindo, por favor, pra que ela voe em paz.Há uma menina que ama, voandolonge da casa, do quarto, da janela.Há uma menina que anima as noites, tão bela,e chama a mãe, Carolina, como uma irmã,pedindo que lhe conte histórias em voz alta.Há uma menina, no topo da ribalta,olhando com angústia, calada, intensa,cegando os olhos de luzes, às luzes da imprensa,pedindo, por favor, que desliguem as cameras,fechem os cadernos, os olhos, falem da vidae vão dormir, tranquilos.
Se a ti deflora um novo amor repentino,supera tua dor e espera tua hora.Pois se tão tarde a tiveres, ou agora,esse amor que aflora a ti será bem-vindo.Se és tu inseguro, dessa forma nefasta,rejeita teu jeito e aceita o futuro.Pois se acaso a quiseres, te asseguro,esse amor, mau-agouro, só de ti a afasta.Não amarga uma dor que tão cedo deflagra.O amor que demandas, princípio de mágoa,te trará um penar que tão tarde não finda.E por mais que te arda esse amor que te invade,qualquer dor desvanece, como o sol, na tarde,mas se pensas que esquece, é manhã ainda.
Sob os olhos da arteque me invadesob os olhos da arteque me rendefinal fighthappy endSob os olhos de águia da arteque sob as águas me afoga poço adentro.Sob os olhos da arteque me atendefinal fighthappy endSob os olhos da arteque me prendeos colhões entre a portae entre os dentesfinal fighthappy end?Sob os olhos da arteque me estende a mão na sarjetamas me cobre os lençóis, me surpreendee encerra meus ovos, na gaveta.
Impregnando meu nome pelos cantos,em pequenas palavras soltas, feitas de vidro,eu me arrisco por sobre telhados e casasde pessoas que não me escutam.Ácidas, imóveis, inertes,elas, ardentes, agora não me ouvem.Por sobre o peso do meu próprio nomee seu cuspir forçado de errese arrotos de crianças pequenassem casa, e inocentes, que agora voam depois de mortas,eu rabisco palavras tolas,que se perdem em significadosde sonhos, de ciúme, libido e quietude.As palavras, em si, nascem sublevadas,como um coro de aves,como um jorro de pensamento roçado de sangue vermelho.Num poema cáustico nasce a vida,embaralhada,atrapalhada,solta.Mas é assim que essa enxurrada se espalha,se gasta, e voa leve,Assim como pensamentos-pássaros.Num poema cáustico eu me percoe me acho.Num poema fantástico de consolo,de encosto, onde pessoas sobre telhadosnão me escutam,onde meninos que voamfalam de loucura,onde a chuva faz som bonitoe o mundo cresce,e se eleva,como minha alma.