quinta-feira, 11 de setembro de 2008

José e Atílio.

Já não se encaram mais,
não pulam alto dos postes,
não se importam com o mundo.
Não soltam balões de hélio e nem perpassam a neblina,
voando a solta nos céus das cidades caretas
e dos pensamentos cinzas.

Passam desapercebidos e voam imóveis
em rios de veneno velho,
sorvem na boca essas gotas de chuva ácida,
na deriva dos instantes,
no fluxo do pensamento,
na maré morta.

Não pulam alto dos postes,
nem gritam sua felicidade sol a pino.
Não se arriscam na beirada do parapeito da vista,
onde a vertigem, homicida,
ilumina o olhar que não nota,
que é alto esse tempo que corta,
e é baixa essa altura da vida.

Enquanto eles falavam eu sonhava,
me drogava inerte,
absorto de palavras prenhes.
Pílulas pretas, pós, fármacos,
tão cheios de vida e apodrecimento.

Mas parece que esquecem,
que sorvem o ar infame,
tecem, fiam, cosem,
maquinalmente sobrevivem, labutam,
mas não merecem esse dia curto,
esse sentimento parco,
essa vida pouca,
tão cheia de esterco e estrume,
de lama, lamento e chorume.

Parece que o tempo, parceiro distante,
perdeu-se a toa nos contratempos
e foi planar longe,
sem direção,
sem rumo,
sem órbita.

Parece que a vida, prurido e pó,
passou perante os olhos perdida,
encurtada em distrações,
despistes e desperdícios.
Novenas, cadeias e quarentenas que de nada valem.

Parece que a areia, tão cheia de pó,
soltou-se sereia, com suas raízes de pedra,
e foi nadar só.
Desse tempo que anda,
de onde vem e vão ondas,
parece que foram juntos, os dois,
velejar sem o vento,
se afogar, sem o mar.

*baseado em trechos do curta "desavenças".

12 comentários:

tchuly disse...

fuderoso, bernd! eu agora já nem sei mais que adjetivo coloco quando vou comentar. "muito bonito" vai ficar batido. hahahah e sim, quero ver esse curta! onde tem pra eu ver?!

Unknown disse...

Parece que o tempo, parceiro distante,
perdeu-se a toa nos contratempos
e foi planar longe,
sem direção,
sem rumo,
sem órbita.

*gostinho de quero mais. Agora, não me venha mais com palavras; desejo a imagem, querido amigo! ;)

Anônimo disse...

ensaio sobre a cegueira


=]

Clareana Arôxa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Clareana Arôxa disse...

do mesmo lugar que você, Recife, Pernambuco, Brasil.

e as palavras bonitas são apenas um presente a um poeta.

beijo!

Bernardo Sampaio disse...

ensaio sobre a cegueira? nao entendi.

Clareana Arôxa disse...

tem agora, antes tinha Tuvalu.
agora está o lugar certo.

a propósito, esse teu texto ficou muito legal, vou procurar o curta pra ver.

beijo!

Anônimo disse...

Que bonito, moço. Eu acho mesmo que deveria ter filado teu roteiro ontem e ter lido algumas coisas. ^^

Xeros
;**

Unknown disse...

esqueci de dizer: elegi esse poema o meu preferido. Até a sgunda ordem! =)

Anônimo disse...

Uma série de termos nos remete ao ensaio sobre a cegueira:
já não,
passam [despercebidos],
não,
nem,
enquanto,
parece,
tempo,
perdeu-se.


Vê agora essa perspectiva?

Você escreve bonito!

Bernardo Sampaio disse...

poxa, fiquei de ler ensaio sobre a cegueira antes de ver o filme, mas nem vai dar.

legal, valeu.

Anônimo disse...

esses dois rapazes sao o reflexo de tantas outras relações e crises existenciais que assolam por hoje. me lembra algo! mas deixa pra lá...
"mas não merecem esse dia curto,
esse sentimento parco,
essa vida pouca,
tão cheia de esterco e estrume,
de lama, lamento e chorume". seja compreensivel!