segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Solidão na Casa Velha.

Quando calei-me de pijama,
vestido de rios de espermas que correm,
foi só na terra que quis transformar-me,
ser a terra
e flutuar.

Me levaram ao mar de pescadores surdos,
cumprindo, no absurdo do infinito do mar,
a tarefa diária, como peixes,
mas esquecendo no quarto a mulher sozinha,
o filho com fome, sobrinho desdentado,
e a sogra morta
na calada da noite.

É como um corte de foice,
a machadada veluda,
a pancada suave no coração.
Me tirem a pele, o luto, a labuta,
mas não tirem esse rio bonito,
esse mar que deságua
lá na calçada de casa,
e vem banhar os meus pés,
tão cheio de lixo,
tão cheio de podre.

Fui eu que abandonei esta terra,
destronei filhos, fiz política.
Na minha vida de rios,
de desejos passageiros
e de sonhos frustrados,
me tornei senhor de mim mesmo,
imperador desta desterrada casa,
tão cheia do cheiro da infância,
tão cheia das brincadeiras
e daquelas conversas no muro,
até a alta meia-noite.

De madrugada não durmo.
Esse cheiro de madeira velha,
esse mal-acordar noturno,
com as lembranças desgastadas, a saudade,
e as paredes vazias.
Não há retrato,
o fato diário nesta casa sou eu,
eu que já fui menino doente,
já fui menino solto, danado,
hoje, sou eu,
desiludido, descontente,
o filho mais novo que guarda
essa casa tão cheia de ontem
com peso da memória de todos,
o peso difícil da família,
o peso pungente e o sacrifício.

É meu esse tato,
esse cheiro,
esse mofo,
esse chão incorreto,
essa terra destruída,
onde não há fantasmas,
onde há pouco habitou,
pai, mãe, irmãos.

Não sei do jardim bonito,
dos coqueiros podados a cada seis meses.
O que me importa os cuidados da casa,
se já não há casa, nem acolhimento?
Não há frondosas árvores,
nem frutas colhidas,
nem aventuras nos pés, nos galhos.
Não há mais natais,
e suas luzes de cores,
só resta essa natureza morta,
a alma morta da casa.
Nos rangidos da porta,
nos gritos diurnos,
nos passos de gatos sorrateiros,
me escondo.

Não há onde ande por aqui,
e não esteja uma imagem, um mar, um rio.
Carregar este fardo é um desafio,
e o pior, me penhoro, me pioro,
pois só o mundo, talvez, abarque,
e eu abarco,
os resquícios e o pó dessa casa velha.

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