sábado, 4 de abril de 2009

Resposta a Bernardo Sampaio.

Bernardo,
Você corria solto e leve.
Você corria como um foguete,
ali pelos corredores,
a comemorar todas as notas dez que tirava.
Você andava solto, alegre,
e eu acompanha com prazer teus passos,
te vendo de um lado a outro,
a tomar os espaços do colégio,
a tomar meus olhos inteiros, e minha pele,
quando segurava minha mão.

Era assim que estavas comigo,
correndo pelos cantos,
gritando feito um menino bobo.
Parecia que ia subindo degraus,
conquistando um espaço
que eu, mesmo sem sentir,
pois nunca soube o que era aquilo,
lhe deixava entrar e me conhecer.

Não me custava te elogiar,
não me custava correr contigo,
nem brincar.
Eu sempre estive ali com prazer.
É o que chamam hoje de companheirismo.
Quis ser tua companheira em todo espaço.
E viajar ali, no chão da escola,
naquela escada espiral,
pular na piscina, virar peixe,
me esconder nos armários,
passar entre aquelas tantas crianças,
e perceber que eu começava a viver
algo que me diferenciava delas.
Elas iriam sentir isso depois.
As paredes não me detinham mais.

Nesses dias eu me estranhava:
Como aquela repulsa fundamentada durante anos,
essa repulsa que eu sentia por todos os meninos,
não conseguia mais se aplicar a ti.
Foi confuso perceber isso.
Você, ao mesmo tempo que era você, como os outros,
era diferente de todos, correndo solto pelos cantos
e conquistando os colegas, as professoras,
o chão de carpete, as árvores, a chuva...

Naquela varanda enorme da nossa escola,
que não era nada além de uma casa,
- por isso, talvez, ser tão nossa -
onde corríamos nos intervalos,
te vi tímido, vestido de matuto,
com aquele bigode,
temendo, visivelmente, o futuro próximo
que te levaria a dançar
com alguma das meninas.
E nossa sala era tão pequena,
apenas os dez alunos.
Você não tinha muito o que escolher.

Me dediquei a ti, Bernardo,
vendo nos teus olhos,
que prediziam um futuro bonito,
um espelho que também me refletia.
Eu, tão jovem, me sentia tua
e você era meu.


Mas talvez você não tenha entendido isso.
Talvez não fosse tua época.
Porque você era de Deus, dos bichos,
do mundo todo. E eu entendia isso.
Mesmo assim esperei teu carinho.
Esse carinho tardio
que agora sentes porque falta.

Nossos dias eram tão lindos,
nossas manhãs preguiçosas.
Ali, na nossa segunda casa,
entre os corredores e as bancas,
entre as salas e a cozinha,
eu te entreguei meus cômodos.
Inerte e besta com teus passos,
teu talento, teus olhares furtivos,
tua felicidade.

Os dias são outros, Bernardo.
Nosso sol já não bate como na infância.
O tempo nos rege diferente
e ensina uma outra matemática severa,
de anos que passam como dias,
e semanas inteiras de amores tristes.
E embora o passado pareça um sonho,
desses que nem sabemos se aconteceu,
te admiro ainda hoje como antes.
E vejo ainda nos teus olhos
esse caminho, essas trilhas
que provavelmente vão te levar
pra um lugar bonito.

Afinal, foi contigo, Bernardo,
que eu esqueci essa meninice boa,
esses pormenores da infância,
e aprendi a amar.
Segue como tens de seguir.
E o tempo nos falará melhor o que virá.

Diana.

2 comentários:

Curió disse...

talvez, quando decidirmos prestar atenção no que os olhos podem mostrar, talvez seja preferível, nesse momento, ser cego. se antecipar a todo porvir. prefiro não ser perspicaz. tire proveito desse momento.

Clara Mazini disse...

Esse texto conquistou essa leitora!
Um viva para as pessoas imensas...