terça-feira, 14 de abril de 2009

Jonas e Alguns Trocados.

Não tinha papéis.
Não tinha laços familiares.
Não tinha sequer documento,
muito menos um vale B
pra pegar aquele ônibus lotado de fim de noite,
e pedir, com a desculpa de algum tratamento médico,
um trocado pra comer qualquer coisa.
Comprar um pão, sei lá.

Não tinha planos futuros,
apenas planos imediatos,
não tinha sequer um lugar seguro pra dormir.
Pedia parada perto da favela V8.
Era ali onde morava,
entre dois barracos.
Sua vida sempre foi imprensada.

Mas o motorista não quis sair do lugar
enquanto Jonas não rodasse a catraca.
E Jonas tampouco desceria do ônibus
sem levar alguns trocados.
Estava decidido, embora dentro de si
tenha sentido, novamente,
a humilhação diária.
Eu vi nos seus olhos
o espaço da solidão resignada.
E ele não saiu dali.

Não tinha casa,
nem identidade,
não tinha filhos,
nem mulher.
Não tinha mais mãe.
Levava apenas duas caixas de remédio,
pra tentar justificar um tratamento
contra alguma doença venérea.
Achava nas latas de lixo
o resto da comida diária,
até que encontrou as caixinhas,
e decidiu ganhar a vida de outro jeito.

Não tinha mais dentes,
não tinha uma roupa decente
não tinha precauções quanto aos riscos da vida,
e tampouco tinha medo da morte.

Jonas, que foi preso uma vez logo aos dezoito,
sentiu o peso da falta de liberdade,
sentiu o descaso,
sentiu na pele, também,
a violência,
a negligência impudica do cárcere.
Decidiu não mais roubar.

No ônibus lotado da noite,
Jonas ainda esperava alguns trocados,
e o motorista esperava Jonas para dar partida.
Até que uma senhora lhe deu algumas moedas.
E Jonas esperou por mais.
Era preciso compensar a humilhação.
Eu vi nos seus olhos essa necessidade.
Nos olhos e na mão estendida que pedia.

Nessa hora Jonas não tinha mais receio,
pois também não tinha corpo,
não tinha mãos visíveis,
seus braços desapareciam.
E pra que Jonas sumisse de uma vez,
um senhorzinho mirrado,
com pressa e com fome também,
lhe deu um vale B
e disse com palavras secas:
"Passa logo a catraca,
ou desce,
que eu quero chegar
logo em casa."

Não tinha mais esperança,
não tinha brilho nos olhos,
não tinha força nos punhos
não tinha, sequer, uma resposta.
Então Jonas desceu,
com um vale B
e alguns trocados na mão.
Mas pensou que naquela noite,
não valia a pena nem comer,
pois sequer se sentia humano.

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