quinta-feira, 19 de junho de 2008

Queimem.

Queimem meu passado envelhecido,
fazendo desgraças com sua dança,
corroído por traças, travoso vício,
devorando solto as paginas de meus livros.

Queimem, afinal, meus livros e lembranças.
Quem necessita de tais memórias?
Queimem, então, a minha memória.
Queimem, é preciso.

Quem me deu mais desse tempo,
e criou Cronos a reger séculos,
a reger dores, e a curá-las
quando bem entende?

Nestas folhas de caderno,
este erro aberto a escárnios,
a represálias de ódio e sarcasmo,
em seus sussurros evoluídos
e gritos de dor,
escrevo frases forçadas,
com suas revoltas tolas.

Queimem meu chão,
meu colchão, meçam a dor.
Que o ardor da prisão,
onde queimam nos pavilhões,
outros tantos colchões,
de revolta, de doenças,
e de crimes de amor,
não me deu liberdade
e criou-me covarde,
nessa ansiedade infame.

Queimem também meu nome
e quem sabe a idade,
pendurada na porta
com essa placa de parto,
e essa mãe quase morta
respirando por tubos de adrenalina,
e sonhando com os sonhos da morfina,
mais belos, com certeza,
que meus sonhos mais banais.

Sem carregar o meu nome, todavia,
queimado a sorte de uma infância tardia,
não vi queimar-me esse fogo,
e às chamas me atirei, de novo,
superando o pesar da covardia.

Mas quem me deu tanta discórdia,
tanta falência múltipla?
Me deixem as canções,
que é o que sobra,
e queimem retratos
colchões, melodramas.
Queimem também minha cama
meio leito, minha história,
e no canto sagrado de um quarto
renasçam num parto esse outro sujeito,
um novo ser já desfeito
de suas mais vivas memórias.

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